Eu queria ser letrado
E ter muita instrução
Mas eu me criei na roça
E me falta educação
Mesmo assim, eu gostaria
De dar minha opinião
Sobre o que se comemora
Hoje aqui neste salão
Vou ter que sair da festa
Porque a verdade é esta
Vocês comem nessa festa
A carne do meu irmão
Espero que compreendam
O meu aborrecimento
A minha história começa
Justo com meu nascimento
Por ser criado sem mãe
Veja o quanto eu padeci
É por isso que agora
Venho protestar aqui
Vai ser duro, meu relato
Na tristeza que eu reparto
Minha mãe morreu de parto
Bem no dia em que nasci
Me serviu, de mãe de leite
Uma vaquinha leiteira
Que eu ganhei do meu padrinho
Garantindo a mamadeira
No quintal da minha casa
Todo dia, bem cedinho
Para mim era sagrado
Aquele santo leitinho
Minha memória, garante
Não faltou um só instante
Pois seu leite foi bastante
Pra mim e meu irmãozinho
Já contei tudo direito
Exatamente como foi
Eu cresci e fiquei moço
Meu irmãozinho virou boi
Por eu ser um boiadeiro
De talento e profissão
Fui buscar uma boiada
Bem distante no sertão
Ganhei como recompensa
Essa minha dor imensa
Mataram na minha ausência
O boi que era meu irmão
Chorando, agora eu faço
O meu último pedido
Vou levar o que restou
Desse meu irmão querido
O seu couro, eu vou guardar
Pra minha recordação
E a cabeça, eu coloco
Bem no topo de um mourão
Na entrada de um piquete
Lembrando o triste banquete
Onde o meu irmão de leite
Foi servido no salão