Nós, do fado abichanado
Somos touro. E veado
Do chão, levantado
Feroz e armado
De canções, um punhado
Manifesto, advogado
Até que o último touro ao prado
Seja roubado
Pra ser torturado
Não é bailado, sonata ou trinado
É fantasma do passado
Cruel, dissimulado
Um lindo massacre ornado
De cultura disfarçado
Tristes carrascos de traje floreado
Proletário brasonado
Com o aval do bom prelado
O casto e o encarnado
Cada hóstia, seu ditado
O casto e o encarnado
Toda a hóstia é só ditado
Não é gado, não é gado
Mas que povo, mas que Estado?
Queremos o touro respeitado
Nem toureiro nem forcado
Pegado, atado, largado, garraiado
Não é gado
É um animal assustado
Perdido, acossado
Ferido, aviltado
Para gáudio do povo usado
Mas que povo? Mas que Estado?
Perdido, acossado
Ferido, aviltado
Para gáudio do povo usado
Mas que povo? Mas que Estado?
Não é gado, não é gado
Mas que povo, mas que Estado?
E é este o nosso brado
O nosso veemente recado
Nada, nada, nada disto é fado
Nem tem futuro no condado
Não é gado
Não é gado
Mas que povo?
Mas que Estado?
Fora da arena, depauperado
O touro tomba, como combinado
E o público desassossegado
Sem sentido figurado
Urra, torpe e, já expiado
Chama bravo a este legado
Este despojo do patriarcado
Violento, deliberado
Um artifício orquestrado
De poder sobre um sacrificado
Tudo a ser repensado
Opomo-nos ao primado
Do dominador, do dominado
E depomos o reinado
Do homem-Deus sagrado
Coitado, coitado
Frágil macho ritualizado
Protegido num noivado
De conquista e mercado
Nesse velho império malvado
Do controlo e do privado
Colónia, ouro, bispado
Propriedade e pecado
Propriedade e pecado
Pisado, rachado, queimado
De Barrancos ao Chiado
Pisado, rachado, queimado
De Barrancos ao Chiado
Pisado, rachado, queimado
De Barrancos ao Chiado