Olhei pro passado e lembrei da infância
Dos brinquedos, brincadeiras das outras crianças
Eu lembrei dos sonhos perdidos
Aqui é foda, o presídio sempre vence o livro
Vi dezenas de vidas no crime, passando em branco
Muito ódio na mente, nenhum adianto
Vi moleque que poderia ter sido jogador
Corria, fintava, era o dono do jogo
Sonhava com Corinthians, seleção
Mas tomou uma goleada de um oitão
6 a 0 no peito, placar decretado
Pra ele não tem pentacampeonato
No pagode, no rap, vários talentos
Na timba, nas Technics, no pandeiro
Em vez de disco, CD, uma fita
Fita errada que fulminou suas vidas
De futuro advogado ou artista
Descarregando uma PT e morrendo na mão da polícia
Aqui são raros os bem sucedidos
Mas os que são jogam futebol ou meteram latrocínio
Pra quem é pobre, é bem comum
Talento, vocação, um dom, acabando em um 'bum'
Ou atrás de uma grade, que merda
Matando o companheiro por um palmo de cela
Ou limpando o chão da firma do playboy
Ou com 30 anos trampando de office boy
Ou com o jornal amarelo de manhã bem cedo
Sonhando com qualquer emprego
Porra, eu não queria ser ladrão
Mas também não vou puxar carroça com papelão
Eu não queria minha vida passando em branco
Mas pobre no Brasil é assim, ou é mendigo ou assaltante de banco
Droga, carro-forte, assalto a banco
Tantas vidas que passaram em branco
Quantas lágrimas, quantos homicídios
Quantos futuros na lata de lixo
'Aí mãe, eu vou vencer e a senhora vai ter orgulho! '
No outro dia, era só mais um defunto
Ou numa cela imunda qualquer
Projeto falido de vitória, como o sistema quer
Enquanto o lazer for pipa e o ensino escola sem professor
É 'não se mexe que é assalto doutor! '
Um país se faz pela educação
Quem planta arma, colhe corpo no chão
Temos que acreditar na favela, no cortiço
Chega de morrer por migalha, de mofar em presídios
Dar um tempo de presidiário e defunto
Quero diploma, jovens dignos sem algemas no pulso
O moleque fumando pedra na madrugada
Pode ser o juiz, e a menina a futura advogada
Ou a professora da escola
Que tenta dignificar nossa história
Oh pátria amada, idolatrada
Incentivo não é escola desqualificada
Não quero ter que usar o meu talento
Pra cravar meu ódio no peito de outro detento
Não quero ver futuro jogador de bola
No caixão, com coroa de flor em memória
Nem ver futura professora de português
Na esquina, esperando o seu freguês
E nem o músico da favela
Batendo numa caixa de fósforo, cantando na cela
Ei Brasil, no barraco lá do morro
Existem seres humanos e não cachorros
Respeite e terá um cidadão
Desrespeite e o boy sente meu ódio sem compaixão
Quem leva tiro, dá tiro sem dó
Tira a comida do meu prato, é clá, clá, bum! Virou pó
Sem dor, sem pena, não faz diferença
Quem planta esquecimento, colhe violência
Questão de inteligência
Seu erro, sua morte, minha sobrevivência
Droga, carro-forte, assalto a banco
Tantas vidas que passaram em branco
Quantas lágrimas, quantos homicídios
Quantos futuros na lata de lixo