Minha mão pequena bate no vidro do carro
No braço se destacam as queimaduras de cigarro
A chuva forte ensopa a camisa, o short
Qualquer dia a pneumonia me faz tossir até a morte
Uma moeda, um passe me livram do inferno
Me faz chegar em casa e não apanhar de fio de ferro
O meu playground não tem balança, escorregador
Só mãe vadia perguntando quanto você ganhou
Jogando na cara que tentou me abortar
Que tomou umas cinco injeções pra me tirar
Quando era neném tentou me vender uma pá de vez
Quase fui criado por um casal inglês
Olho roxo, escoriação
Porra, o que foi que eu fiz?
Pra em vez de tá brincando tá colecionando cicatriz
Por que não pensou antes de abrir as pernas?
Filho não nasce pra sofrer, não pede pra vir pra Terra
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer
Minha Goma é suja, louça sem lavar
Seringa usada, camisinha em todo lugar
Cabelo despenteado, bafo de aguardente
É raro quando ela escova os dentes
Várias armas dos outros moqueadas no teto
Na pia mosquitos, baratas disputam os restos
Cenário ideal pra chocar a UNICEF
Habitat natural onde os assassinos crescem
Eu não queria Playstation nem bicicleta
Só ouvir a palavra filho da boca dela
Ouvir o grito da janela
A comida tá pronta
Não ser espancado pra ficar no farol a noite toda
Qualquer um ora pra Deus pra pedir que ele ajude
Dê dinheiro, felicidade, saúde
Eu oro pra pedir coragem e ódio em dobro
Pra amarrar minha mãe na cama, por querosene e meter fogo
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer
Outro dia a infância dominou meu coração
Gastei o dinheiro que eu ganhei com álbum do timão
Queria ser criança normal que ninguém pune
Que pula amarelinha, joga bolinha de gude
Cansei de só olhar o parquinho ali perto
Sentir inveja dos moleques fazendo castelo
Foda-se se eu vou morrer por isso
Obrigado meu Deus por um dia de sorriso!
A noite as costas arderam no couro da cinta
Tacou minha cabeça no chão, batia, batia
Me fez engolir figurinha por figurinha
Espetou meu corpo inteiro com uma faca de cozinha
Olhei pro teto, vi as armas no pacote
Subi na mesa, catei logo a Glock
Mãe, devia te matar, mas não sou igual você
Em vez de me sujar com seu sangue, eu prefiro morrer
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer
O seu papel devia ser cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater
Eu não pedi pra nascer