Fábio de Carvalho Fábio de Carvalho - Ana

Quando eu tinha seis anos
Eu era amigo de uma Ana
E um dia ela acertou uma pedra na minha boca
Com meus lábios sangrando
Eu fui falar com os professores
E eu me senti mal porque ela parecia tão triste e sozinha
Ela chorou o resto da aula inteira
E eu me senti mal porque eu sabia que ela havia feito aquilo por brincadeira
Foi como quando eu joguei uma manga através de uma janela
E ela acertou a cabeça de uma moça que sentava perto dela
Algum amigo me dedurou e eu fui chamado pra me explicar
Ninguém estava do meu lado
E Ana eu queria saber como você está

Acordei as cinco da manhã pra ir até a junta militar
E lá encontrei um dos meus melhores amigos indo se alistar
Ele parecia nervoso e disse que se deus quisesse nenhum de nós ia pegar
Eu não o via a muito tempo e disse pra ele esperar na porta pra gente conversar
Mas o sargento disse que ele estava em outra fila e ia demorar
Eu não pude esperar e fui embora

E agora é natal
Minha namorada viajou
Eu tenho que tomar conta do cactus dela
E eu sinto falta do seu amor
É um sábado a noite e eu estou feliz
Pedindo comida chinesa pelo telefone
Minha namorada está no Rio de Janeiro e eu assisti filmes mudos o dia inteiro
E no dia antes dela ir embora
Nós tentamos ir numa boate mas estava lotada
E eu passei mal de tanto rir da piada do meu melhor amigo
Que era sobre eu não lembro mais o que
Depois
De beber um milkshake na praça da liberdade

E chegando em casa nós fomos pro meu quarto
Nós nos deitamos um do lado do outro e nos abraçamos e deixamos o tempo passar
E desde aquele dia na junta militar
Eu não tentei entrar em contato com aquele amigo
Por algum tempo eu me convenci que iria entrar em contato com ele
Mas já se passaram cinco meses
Não parece mais tão importante assim

Penso em todos os meus amigos de infância
Alguns foram pra Alemanha, outros para as drogas, outros foram pra Espanha
Todos temos vidas privilegiadas
Nossos pais buscavam em frente a escola parados em fila em dupla em frente as escadas
Como o menino que enfiou uma tesoura na mão da coordenadora
Alguns dias depois ele me chamou pra dormir na sua casa e eu dei uma desculpa
Muitos anos depois um amigo encontrou ele na rua
E ele estava tão dopado de remédios que finalmente enterraram sua loucura
Seus olhos eram vazios e perdidos e ele não sabia o que dizer
É engraçado como é alienante o simples ato de viver